Kleiman (2004) explica que a tentativa seria incoerente apenas se o ensino de leitura seguisse a prática escolar, tanto do professor como do livro didático, que privilegiaa leitura do professor como a única leitura correta. Porém a tentativa não é incoerente se o ensino de leitura for entendido como o ensino de ESTRATÉGIAS DE LEITURA, por uma parte, e como o desenvolvimento das habilidades lingüísticas que são características do bom leitor, por outra. Conforme Kleiman (op.cit.), as estratégias do leitor são classificadas em cognitivas e metacognitivas.
ESTRATÉGIAS COGNITIVAS
As Estratégias
Cognitivas são as operações inconscientes do
leitor. Por exemplo, o fatiamento sintático é uma operação necessária para a
leitura, que o leitor realiza, ou não, rápida ou cuidadosamente, isto é, de
diversas maneiras, dependendo das necessidades momentâneas, e que
provavelmente não poderá descrever. De acordo com Kleiman (2004,
p.32), os mecanismos cognitivos e capacidades envolvidas no processamento do
texto podem ser visualizados no quadro abaixo:
ESTRATÉGIAS METACOGNITIVAS
As Estratégias Cognitivas são as operações realizadas com algum objetivo em mente, sobre as
quais temos controle consciente. Várias são as estratégias que podem ser
utilizadas pelo leitor quando este não entende o texto, começando pela
consciência própria de falha na compreensão. Por exemplo, ele poderá voltar
atrás e reler ou procurar o significado de uma palavra-chave que recorre no texto. Enfim, dependendo do
que o leitor detectar como causa, ele adotará diversas medidas para resolver o
problema. Conforme
explicita Kleiman (op.cit.), o ensino estratégico de leitura consistiria
na modelagem de estratégicas metacognitivas
e no desenvolvimento de habilidades verbais subjacentes aos automatismos das
estratégias cognitivas.
O ensino e modelagem de estratégias de
leitura consiste em buscar reproduzir
as condições que dão ao leitor proficiente a flexibilidade e independência,
indicativas de uma riqueza de recursos disponíveis. Uma das características do
leitor experiente é ter algum objetivo em mente. A posse de um objetivo pessoal
para o leitor é importante pois determina escolhas pessoais, nesse sentido,
todo programa de leitura deve ter um
componente livre, em que o aluno vai à biblioteca da escola e lê o que quiser,
sem cobrança de nenhuma espécie. Em
segundo lugar, o leitor proficiente faz escolhas buscando antecipar os assuntos do conteúdo do
livro. Essas antecipações estão apoiadas no conhecimento prévio, tanto sobre o
assunto (conhecimento enciclopédico), como sobre o autor, a época da obra
(conhecimento social, cultural, pragmático), o gênero (conhecimento textual). Assim,
faz-se necessário que todo programa de
leitura permita ao aluno entrar em contato com um universo textual amplo e diversificado.
O
exemplo a seguir, de acordo com Kleiman (op.cit. p.52-56), ilustra um caso em
que o professor orienta o aluno a definir seus objetivos de leitura. O texto publicitário, através da
combinação das linguagens verbal e não-verbal, ajuda a criar uma imagem de um leite puro, seguro,
nutritivo (adjetivos usados no texto), e natural (associações que a figura do
animal traz):
Conforme
destaca Kleiman (2004), o processo de auxílio do leitor em compreender a
intenção do autor passa pela busca de marcas linguística dessa intenção. No
exemplo citado, o autor emprega você ao invés de vocês.
O uso da terceira pessoa no singular estabelece um maior grau de intimidade,
dificilmente alcançado quando usado o plural. A intencionalidade aparece no
texto através de outras marcas, como a Hiperlexicalização (iteração
de um mesmo item lexical) no emprego do pronome dêitico “isso”. O anúncio
do leite está disposto numa estrutura quase dialogada e o pronome “isso” pode
fazer uma referência tanto interna como externa ao texto, estabelecendo uma
ligação com os elementos da falta desse interlocutor imaginário. Assim,
quando o antecedente está no texto, a palavra “isso” no enunciado
("Você não deve desconfiar quando um leite é tudo isso”)
remete ao parágrafo anterior. Do mesmo modo, o pronome “disso” teria o
mesmo antecedente (“Você deve desconfiar quando um leite não é nada disso”).
Por outro lado, a autora aponta ocorrências em que não fica claro qual poderia
ser o antecedente, fazendo supor uma ligação com o universo do leitor, tornando
a expressão vaga e com diversos referentes possíveis (“Você nem precisa
agradecer o fato do Leite Longa Vida fazer tudo isso por
você”). A última ocorrência do pronome também não deixa claro seu
significado, pois o seu antecedente parece ser “fazer tudo isso”, que novamente
é imprecisa (“Porque, no fundo, “isso” não é mais que uma
obrigação”).
Kleiman sustenta
que a hiperlexicalização é frequentemente um índice de relevância
pretendido pelo autor, para enfatizar algum item, dando-lhe um maior grau de
importância do que a outros presentes no texto (uso do pronome “você” no
anúncio). Contudo, o efeito produzido no leitor é imprevisível, pois leitores
diferentes, de culturas e formações diferentes ou mesmo, em diversas leituras,
podem não concordar na interpretação das pistas linguísticas.
KLEIMAN, A. Oficina de leitura: teoria e
prática. 10ed. Campinas, Pontes, 2004.
Postado por: Gustavo Saramabdno
Revisado por: Felip Alves
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