quinta-feira, 11 de maio de 2017

Estratégias de leitura: cognitivas e metacognitivas

        A viabilidade do ensino da leitura é bastante questionada. Uma vez que a leitura é um ato individual de construção de signifi­cado num contexto que se configura mediante a interação entre autor e leitor, e que, portanto, será diferente, para cada leitor, dependendo de seus conheci­mentos, interesses e objetivos do momento, não seriam as tentativas de ensino da leitura incoerentes com a natureza da atividade?
        Kleiman (2004) explica que  a tentativa seria incoerente apenas se o ensino de leitura seguisse a prática escolar, tanto do professor como do livro didático, que privilegiaa leitura do professor como a única leitura correta. Porém a tentativa não é incoerente se o ensino de leitura for entendido como o ensino de ESTRATÉGIAS DE LEITURA, por uma parte, e como o desenvolvimento das habilidades lingüísticas que são características do bom leitor, por outra. Conforme Kleiman (op.cit.), as estratégias do leitor são classificadas em cognitivas e metacognitivas.


ESTRATÉGIAS COGNITIVAS 

        As Estratégias Cognitivas são as opera­ções inconscientes do leitor. Por exem­plo, o fatiamento sintático é uma operação necessária para a leitura, que o lei­tor realiza, ou não, rápida ou cuidadosamente, isto é, de diversas maneiras, dependendo das necessidades momentâneas, e que provavelmente não pode­rá descrever.  De acordo com Kleiman (2004, p.32), os mecanismos cognitivos e capacidades envolvidas no processamento do texto podem ser visualizados no quadro abaixo:



ESTRATÉGIAS METACOGNITIVAS 

        As Estratégias Cognitivas são as opera­ções realizadas com algum objetivo em mente, sobre as quais temos controle consciente. Várias são as estratégias que podem ser utilizadas pelo leitor quando este não entende o texto, começando pela consciência própria de falha na compreensão. Por exemplo, ele poderá voltar atrás e reler ou procurar o significado de uma palavra-chave que recorre no texto. Enfim, dependendo do que o leitor detectar como cau­sa, ele adotará diversas medidas para resolver o problema. Conforme explicita Kleiman (op.cit.), o ensino es­tratégico de leitura consistiria na modelagem de estratégicas metacognitivas e no desenvolvimento de habilidades verbais sub­jacentes aos automatismos das estratégias cognitivas.
     O ensino e modelagem de estratégias de leitura consiste em buscar reproduzir as condições que dão ao leitor proficiente a flexibilidade e independência, indicativas de uma riqueza de recursos disponíveis. Uma das características do leitor experiente é ter algum objetivo em mente. A posse de um objetivo pessoal para o leitor é importante pois determina escolhas pessoais, nesse sentido, todo programa de leitura deve ter um componente livre, em que o aluno vai à biblioteca da escola e lê o que qui­ser, sem cobrança de nenhuma espécie. Em segundo lugar, o leitor proficiente faz escolhas buscando antecipar os assuntos do conteúdo do livro. Essas antecipações estão apoiadas no co­nhecimento prévio, tanto sobre o assunto (conhecimento enciclopédico), co­mo sobre o autor, a época da obra (conhecimento social, cultural, pragmáti­co), o gênero (conhecimento textual). Assim, faz-se necessário que todo programa de leitura permita ao aluno entrar em contato com um universo textual amplo e diversificado. 
        O exemplo a seguir, de acordo com Kleiman (op.cit. p.52-56), ilustra um caso em que o professor orienta o aluno a definir seus objetivos de leitura. O texto publicitário, através da combinação das linguagens verbal e não-verbal, ajuda a criar uma imagem de um leite puro, seguro, nutritivo (adjetivos usados no texto), e natural (associações que a figura do animal traz):

     
        Conforme destaca Kleiman (2004), o processo de auxílio do leitor em compreender a intenção do autor passa pela busca de marcas linguística dessa intenção.  No exemplo citado, o autor emprega você ao invés de vocês. O uso da terceira pessoa no singular estabelece um maior grau de intimidade, dificilmente alcançado quando usado o plural. A intencionalidade aparece no texto através de outras marcas, como a Hiperlexicalização (iteração de um mesmo item lexical) no emprego do pronome dêitico “isso”. O anúncio do leite está disposto numa estrutura quase dialogada e o pronome “isso” pode fazer uma referência tanto interna como externa ao texto, estabelecendo uma ligação com os elementos da falta desse interlocutor imaginário. Assim, quando o antecedente está no texto, a palavra “isso” no enunciado ("Você não deve desconfiar quando um leite é tudo isso”) remete ao parágrafo anterior. Do mesmo modo, o pronome “disso” teria o mesmo antecedente (“Você deve desconfiar quando um leite não é nada disso”).
        Por outro lado, a autora aponta ocorrências em que não fica claro qual poderia ser o antecedente, fazendo supor uma ligação com o universo do leitor, tornando a expressão vaga e com diversos referentes possíveis (“Você nem precisa agradecer o fato do Leite Longa Vida fazer tu­do isso por você”). A última ocorrência do pronome também não deixa claro seu significado, pois o seu antecedente parece ser “fazer tudo isso”, que novamente é imprecisa (“Porque, no fundo, “isso” não é mais que uma obrigação”).
        Kleiman sustenta que a hiperlexicalização é frequentemente um índice de relevância pretendido pelo autor, para enfatizar algum item, dando-lhe um maior grau de importância do que a outros presentes no texto (uso do pronome “você” no anúncio). Contudo, o efeito produzido no leitor é imprevisível, pois leitores diferentes, de culturas e formações diferentes ou mesmo, em diversas leituras, podem não concordar na interpretação das pistas linguísticas.

KLEIMAN, A. Oficina de leitura: teoria e prática. 10ed. Campinas, Pontes, 2004.

Postado por: Gustavo Saramabdno
Revisado por: Felip Alves

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