terça-feira, 25 de abril de 2017

Considerações sobre a análise da conversação


        Esse aspecto busca estabelecer relações com a exterioridade da linguagem.
A análise da conversação teve origem na década de 1960 no campo dos estudos ligados à Etnometodologia.
     Para esta ciência, os analistas têm de ser perceptivos aos fenômenos interacionais, centrando-se nos detalhes estruturais do processo interativo.

Segundo Hilgert há três níveis essenciais desse enfoque:

a)    Macronível: nas fases conversacionais- abertura, fechamento e parte central, e o tema central e subtemas da conversação.
b)    Nível médio: turno conversacional, tomada de turnos, sequência conversacional, atos de fala e marcadores conversacionais.
c)    Micronível: elementos internos do ato de fala, que constituem sua estrutura sintática, lexical, fonológica e prosódica.
          A análise da conversação estabelece o texto como seu objeto de estudos, mas se dedica única e exclusivamente a textos orais naturais, criados espontaneamente e não aqueles criados artificialmente. A ciência busca enfatizar que partilhamos cognitivamente da interação, pois o planejamento da fala ocorre no momento em que interagimos. 
        Sendo assim, possui alguns aspectos importantes, são eles:
I.              Sobre o tratamento dos dados orais: Deve-se considerar o sistema de transcrição de texto oral a partir de gravações ou filmagens que possam ser analisadas, também é preciso considerar a importância de recursos não verbais utilizados na fala. Como por exemplo: a paralinguagem, cinésica, proxêmica, tacêsica e até mesmo o silêncio.
II.            A organização da conversa: Em uma conversa há as marcações de fala do interlocutor, devem falar um por vez. Há sinais que simbolizam o fim de seu turno e o convite à fala do outro para que haja a troca de papéis de falante e ouvinte. Esses turnos podem ser nucleares e inseridos.
III.           Dos marcadores conversacionais: O texto oral é planejado e verbalizado ao mesmo tempo e possui alguns recursos característicos da fala natural, essas características são os marcadores conversacionais que variam entre verbais, não-verbais ou prosódicos. Os marcadores conversacionais são produzidos pelos falantes para dar tempo à organização do pensamento.

IV.          A construção da compreensão no texto falado: Quando dois ou mais indivíduos conversam coordenam ações e conteúdos, construindo textos coerentes. 
          Segundo Marcuschi, a compreensão na interação verbal face a face, resulta de um projeto conjunto de interlocutores em atividades cooperativas e coordenadas de co-produção de sentido,existindo algumas atividades de compreensão na interação verbal.

·Estratégia 1- negociação: central para a produção de sentidos na interação verbal dada a sua natureza conjunta;

·Estratégia 2- construção de um foco comum: na interação a base da troca é a sintonia referencial, o interesse comum e referentes partilhados;

·Estratégia 3- demonstração de (des)interesse e (não-)partilhamento: se não há esse partilhamento a interação não progride;

·Estratégia 4- existência e diversidade de expectativas: os interlocutores criam expectativas diversas em relação um ao outro relacionadas ao contexto, às condições em que são produzidas, conhecimento partilhado etc;

·Estratégia 5- marcas de atenção: sinais enviados pelos interlocutores que demonstram se há boa ou má sincronia na interação.

        A análise da conversação no Brasil constitui-se em uma linha de pesquisa praticada sistematicamente com uma produção editorial que abrange transcrições de materiais do corpus do Projeto de Estudo da Norma Linguística Urbana Culta, análises de textos orais sobre diversos temas da análise da conversação, gramáticas do português falado, além de teses e dissertações defendidas nos programas de pós-graduação das universidades brasileiras.


DIONÍSIO, Ângela P. Análise da conversação. In: MUSSALIM, F. & BENTES, A. C. (orgs). Introdução à Linguística – Domínios e Fronteiras. 6ed. São Paulo: Cortez, Vol.2, 2005, p.69-99.

MARCUSCHI, L. A. Análise da conversação. 6. ed. São Paulo: Ática, 2007b.


Postado por: Karen S.
Revisado por: Felip Alves

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Diferenças e Características da Fala e da Escrita: Diferentes níveis de formalidade, organização e variação

              
        Segundo Koch (2013) fala e escrita constituem duas modalidades de uso da língua. Embora se utilizem do mesmo sistema lingüístico, ambas possuem características próprias. Porém não devem ser vistas de forma distinta.
        
       Marcuschi (1995:13) escreve:

    “As diferenças entre fala e escrita se dão dentro do continuum tipológico das práticas sociais e não na relação dicotômica de dois pólos opostos.”

    A partir disso pode-se entender inicialmente que fala e escrita apresentam tipos de complexidade diferentes.
       Muitos textos escritos se aproximam da oralidade, outros são predominantemente mais formais ou coloquiais, havendo também os que estão entre essas duas vertentes
     Foi com base nessa visão dicotômica que se estabelecera as diferenças entre fala e escrita, entre quais as mais frequentemente mencionadas são:
     

Ø Fala = contextual, implícita, redundante, não planejada, predominância do “modus pragmático”, fragmentada, incompleta, pouco elaborada, pouca densidade informacional, predomina frases curtas, poucas nominalizações, menor densidade lexical.
Ø  Escrita = descontextualizada, explícita, condensada, planejada, predominância do “modus sintático”, não fragmentada, completa, elaborada, densidade informacional, predomina frases complexas, abundância de nominalizações, maior densidade lexical.

        O ocorrido, no entanto é que nem todas essas características são exclusivas de uma ou outra das duas modalidades. Essas características foram estabelecidas tendo por parâmetro o ideal da escrita, o que gerou uma visão preconceituosa da fala.
Porém o texto falado tem suas próprias características, tem uma estrutura própria que se pauta a partir do momento em que é produzido. É nesse sentido que deve ser descrito e avaliado.
    A oralidade não é planejável de antemão, assim como ocorre na escrita. Planejamento e verbalização ocorrem simultaneamente, sendo a fala o seu próprio rascunho. Enquanto a escrita é estática, a fala assume uma dinâmica, como se estivessem atuando teoria e prática.

     Koch ressalta algumas dessas interferências da oralidade na aquisição da escrita em um texto publicado em 1997 pela revista “Trabalhos em Linguística Aplicada”.
   A autora ressalta as questões de referência, repetições, organizadores textuais, justaposição de enunciados, discurso citado, segmentação gráfica, grafia correspondente as palavras e correções feitas da forma que se fazem no texto oral, e suas diferenças no texto falado e no texto escrito.
      
      Há uma diferença entre letramento, alfabetização e escolarização. Sendo o letramento o processo de aprendizado sócio-histórico da leitura e da escrita em contextos informais, a alfabetização o domínio das habilidades de ler e escrever, e a escolarização a prática formal e institucional de ensino.
      Koch menciona em seu artigo a supervalorização do texto escrito, já que a escrita está presente praticamente em todas as práticas sociais das comunidades em que se insere sob a forma de letramento. Mas é necessário a percepção da língua como fenômeno dinâmico, e que oralidade e escrita são ambas práticas sociais e não propriedade de sociedades distintas.  
      
      KOCH, I. V.  O Texto e a Construção dos Sentidos. São Paulo, Contexto, 2013, p.77-81. 

      MARCUSCHI, L. A. Oralidade e Escrita. Recife/UFPE, Mimeografado, 1995.

      _____. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 7ed. São Paulo: Cortez, 2007.

Postado por: Karen S.
Revisado por: Felip Alves
         

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Outras teorias cujo obeto de estudo é o texto

        
        Além da Linguística Textual, há outros campos que exercem o estudo do texto. 

        Os campos de estudo abordados são: sociolinguística, pragmática, análise do discurso, semiótica discursiva e estudos enunciativos.

        Sociolinguística: estuda a relação entre linguagem e sociedade por meio dos textos, prioriza o estudo da língua falada, visa relacionar as variações linguísticas com a comunidade em que se manifestam, considera a estrutura social do falante e a sociedade em que está inserido e tem como objeto principal de estudo a diversidade linguística.
A sociolinguística considera a identidade social do emissor ou falante e do receptor ou ouvinte, o contexto social em que a comunicação está sendo realizada e o julgamento linguístico-social distinto feito pelos falantes sobre si e os outros.

        Pragmática: estuda o uso concreto da linguagem tomando como foco os seus usuários, as condições que regem a prática da linguagem e possui como prioridade o estudo da linguagem. A Pragmática tem como foco a não centralidade da língua e considera a sua produção social.
 
        São vistas como principais correntes pragmáticas: O Pragmatísmo Americano, Os Estudos dos Atos de Fala e Os Estudos da Comunicação.

        Pragmatismo Americano: foi desenvolvido por W. James e Morris, recebeu influencia dos estudos semiológicos de Charles Pierce, enfatiza a inclusão do sujeito na construção do sentido e desconstrói a noção clássica de verdade.

        Estudos dos Atos da Fala: possuem a influência da Filosofia da Linguagem de Wittgenstein e foram alavancados por Jonh L. Austin, enfatizam a performance da linguagem visando à ação e interação, enfatizam os enunciados constativos, que realizam apenas uma constatação sobre algo, e performativos, que realizam ações porque são ditos. Existem também os atos locucionais, que desejam dizer algo e passar uma informação, ilocucionais, que mostram a posição do locutor perante aquilo que ele diz, e perlocucionais, que produzem efeitos específicos e consequências sobre o interlocutor, locutor ou sobre outras pessoas. Os Estudos dos Atos da Fala também enfatizam as regras conversacionais que gerenciam o princípio da cooperação na linguagem.

        Estudos da Comunicação: unem os interesses teóricos citados anteriormente e agregam o interesse por questões de caráter histórico e social, priorizando as relações sociais, culturais, de gênero, de raça e de classe. 

        Análise do Discurso: de origem francesa, concebe o texto em sua opacidade, enfatiza o funcionamento linguístico - textual dos discursos no contexto historico-social.

        De acordo com Maingueneau, 1987, a Análise do Discurso pode ser praticada de três formas:

Tradição filológica: história e reflexão sobre os textos.
 Prática da explicação de textos: teoria voltada para a leitura.
 Base no estruturalismo: considera o texto em sua imanência, diferenciado dos modos de estudo da filologia.

        A Análise do Discurso traz como características a presença do materialismo histórico, da linguística, dos processos sintáxicos e de enunciação, e da teoria do discurso como teoria dos processos semânticos
       A Análise do Discurso busca apresentar a inconsistência dos textos, visa apreender a linguagem enquanto discurso materializando o contato entre o linguístico e o não- linguístico, tendo como foco a construção do olhar vindo do leitor.
        Há textos produzidos em determinadas Formações Discursivas que se relacionam com a Análise do Discurso e neles são consideradas as instituições que restringem fortemente a enunciação, os conflitos históricos, sociais, etc; e a delimitação de um espaço próprio no exterior de um interdiscurso limitado.
        A Análise do Discurso de origem francesa, pertence à área da linguística e comunicação, é uma prática que analisa as formações ideológicas por meio dos textos, considerando seus contextos em busca das ideologias que estão inseridas nos textos.

        Semiótica Discursiva: estuda o texto como um todo, busca explicar os sentidos do texto partindo de mecanismos e procedimentos de construção do sentido, que dizem respeito à organização linguístico-discursiva e relações com a sociedade e com a história. 
        O texto pode ser linguístico, visual, olfativo, gestual, ou até mesmo um texto que mescla diferentes modos de expressões
        A Semiótica Discursiva preza pela análise do Plano de Conteúdo do texto, com a finalidade de construir a sua significação por meio do Percurso Gerativo dos Sentidos, que contém três níveis de análise:

        A Semiótica Discursiva preza pela análise do Plano de Conteúdo do texto, com a finalidade de construir a sua significação por meio do Percurso Gerativo dos Sentidos, que contém três níveis de análise:

        Nivel Narrativo: nível em que há a introdução do sujeito e mudanças narrativas realizadas por ele. As categorias semânticas fundamentais são transformadas nos valores dos sujeitos e são inseridas nos objetos com que o sujeito se relaciona. Ocorre a mudança de ações e modos de existência atribuídos ao sujeito e suas relações com os valores.

        Nível Discursivo: é o nível em que a narrativa é colocada no tempo e espaço unida aos seus sujeitos, objetos, destinadores e destinatários. Os investimentos semânticos possibilitam que pessoas e objetos presentes no texto sejam disseminados e transformados para produzir efeitos de sentido, originando uma ilusão de verdade. 
 
        Estudos Enunciativos: trata-se do estudo da linguagem que é concretizado por meio das enunciações.
Os Estudos Enunciativos possuem como seus principais representantes: Bakhtin, E. Benveniste, Ducrot e Guimarães.
       
     Bakhtin: incita a reflexão sobre a polifonia e a enunciação, defende o dialogismo constitutivo da linguagem e a natureza social da enunciação, considera a enunciação um produto da interação dos indivíduos socialmente organizados e entende o termo “diálogo” de modo amplo, assim como toda comunicação verbal. 

        E. Benveniste: afirma que a enunciação coloca a língua em funcionamento por meio do ato individual de utilização do locutor. Para o locutor, há a obrigatoriedade de referir à língua através do discurso para que o interlocutor entenda a informação transmitida.
A enunciação promove uma ligação entre os indivíduos e informação que está sendo dita pelo locutor no momento em que está sendo proferida.
De acordo com este estudioso, é possível existir um enunciado sem diálogo e sem um locutor.

        Ducrot: descreve o conceito de enunciação em três sentidos: Enunciação – Atividade, Enunciação - Produto e Enunciação – Acontecimento.
Para Ducrot, em uma enunciação há a presença de diferentes informações e opiniões, e cabe ao locutor a função de causar suas manifestações e identificá-las dentro do enunciado, e então passarão a ser chamadas de enunciadores.
Ducrot aponta as seguintes funções enunciativas: O Sujeito Empírico (SE), O Locutor (L), O Locutor (LP) e Os Enunciadores.

O Sujeito Empírico (SE): autor efetivo, responsável pela reprodução de discursos já existentes,
O Locutor (L): detém a responsabilidade pelo ato da prática enunciativa.
O Locutor (LP): funciona como suporte para certas predicações.
Os Enunciadores: representam os diversos pontos de vista que podem ser identificados em um mesmo enunciado.

        Guimarães: mantém os conceitos abordados por Ducrot, expõe que falante e ouvinte são os agentes físico-fisiológicos do falar e ouvir. Posiciona o Locutor como representante individual e responsável pela enunciação, o Alocutário como correspondente do locutor, caracteriza o Locutor (L) como a fonte do dizer e coloca o Locutor (LP) como representante sócio-histórico do enunciado.
Guimarães defende que é a posição do sujeito enunciador que define a perspectiva da enunciação e que o destinatário é correlato e é constituído de acordo com a perspectiva do enunciador.

         Presença das outras teorias de estudo é o texto na sala de aula 


        As teorias que abordam os estudos do texto podem ser aplicadas durante as aulas destinadas ao ensino fundamental II e médio de forma dinâmica e de acordo com a capacidade de aprendizagem do aluno. Tais teorias podem ser colocadas em prática em aulas de leitura de artigos presentes em jornais e revistas, por exemplo, tendo em vista que tais materiais possuem informações atuais e que geralmente compõem um contexto social comum ao aluno.
        É importante que o professor apresente a parte teórica dos estudos voltados ao texto de forma simples, e em seguida, instigue e direcione a prática, usando como ferramenta de aprendizagem o ato da leitura crítica e promovendo a identificação da presença de características pertencentes aos campos responsáveis pelos estudos do texto.  

 BENVENISTE, E. O Aparelho Formal da Enunciação. IN Problemas de Lingüística Geral II. Campinas: Pontes, 1989.

DUCROT, O. O Dizer e o Dito. Campinas, Pontes, 1987.


INDURSKY, F. O texto nos estudos da linguagem: especificidades e limites. ORLANDI, E.P. & LAGAZZI, R. S.(orgs). Introdução às ciências da Linguagem - Discurso e Textualidade. Campinas, Pontes, 2006.

Postado por: Gabriella B. da Silva 
Revisado por: Felip Alves
         

domingo, 9 de abril de 2017

Construindo sentidos no texto: organização estrutural e processamento textual

        Neste texto serão apresentadas algumas das principais categorias teóricas de análise relacionadas à organização estrutural, às estratégias de processamento e funcionamento e ao contexto interacional. Tais como processamento textual e organização estrutural.
        
        Processamento textual 
        
        O texto deve ser entendido como um processo que acontece através de sistemas de conhecimento acionados no próprio texto e no contexto de produção (KOCH, op.cit). Na produção textual, toda ação é acompanhada de processos de ordem cognitiva. Os interlocutores têm conhecimentos na memória que precisam ser ativados para que a atividade seja efetivada com sucesso, tais atividades geram expectativas e isso compõe um projeto nas atividades de compreensão e produção do texto.
Considerando o texto como um processo, HEINEMANN e VIEHWEGER (1991 apud Koch op. cit) definem três grandes sistemas de conhecimento, responsáveis pelo processamento textual:

        1)    Conhecimento linguístico

        É o conhecimento do léxico e da gramática, responsável pela escolha dos termos e pela organização do material linguístico na superfície textual.

        2)    Conhecimento enciclopédico ou de mundo

        São as informações armazenadas na memória de cada sujeito. Abrange o conhecimento manifestado por enunciações fatuais (“A Ponta do Seixas, na Paraíba, é o extremo leste do continente americano”) e o conhecimento episódico e intuitivo, adquirido por via da experiência (“Não dá pra fritar ovo sem quebrar a casca”).

        3)    Conhecimento interacional 

        Compreende a realização de certas ações por meio da linguagem. Divide-se em:

a) conhecimento ilocucional: (meios diretos e indiretos para atingir um objetivo);
b) conhecimento comunicacional: (meios adequados para atingir os objetivos desejados);
c) conhecimento metacomunicativo: (meios de prevenir e evitar distúrbios na comunicação - atenuação, paráfrases, parênteses de esclarecimento etc);
d) conhecimento superestrutural: (modelos textuais globais que permitem aos usuários reconhecer um texto como pertencente a determinado gênero ou certos esquemas cognitivos).

        Os conceitos armazenados na memória são organizados em blocos, formando uma rede de relações na qual um conceito sempre aciona uma série de entidades. À eleição, por exemplo associa-se políticos, eleitores, corrupção, CPI, leis, senado e dinheiro. Por conta desta estruturação, o conhecimento enciclopédico transforma-se em conhecimento procedimental e fornece instruções para agir em determinadas situações.

         
        Organização estrutural

        Autores como Dijk (2000), Koch (1997a), Fávero (1995) e Kleiman (2004) orientam uma organização textual a partir de três níveis estruturais, inter-relacionáveis entre si
:
Superestrutural – de nível global, com ênfase nas relações esquemático-cognitivas.
Macroestrutural – de nível semântico, com ênfase nas relações coerência textual.
Microestrutural – de nível de superfície linguística, com ênfase nas relações de coesão.

        O nível SUPERESTRUTURAL se refere tanto às estruturas textuais globais como também envolve o conhecimento sobre estratégias esquemáticas cognitivas relacionadas à significação global da base textual. São estratégias de produção e recepção de texto que acionam o conhecimento armazenado na memória através de modelos globais como frames, esquemas, planos e scripts.
        
Frames – Conjunto convencional de elementos sem organização sequencial que acionamos cognitivamente em uma situação de uso. Por exemplo, ao mencionar o frame “festa de aniversário” acionamos o conjunto “balões, brigadeiro, bolo, vela, salgados, presente, etc”.
Esquemas – Conjunto de elementos armazenados sequencialmente na memória que acionamos cognitivamente em uma situação de uso. Por exemplo, ao mencionar o esquema “um dia de trabalho” acionamos o conjunto sequencial “acordar, levantar, tomar banho, vestir-se, tomar café, sair de casa, etc”.
Planos – Modelos de comportamento manifestados para alcançar algum propósito acionados em uma situação de uso. Por exemplo, um adolescente que organiza um plano para conseguir dos pais permissão para viajar sozinho.
Scripts – São planos com rotina bem estabelecida que geralmente especificam papeis e ações dos interlocutores. Por exemplo, carta de amor, infância, novela, etc.

        O nível MACROESTRUTURAL se refere às relações de coerência textual responsáveis por construir a significação global no texto através dos processos de compreensão e produção textual. Esta construção depende da organização de fatores de diversas ordens: linguísticos, cognitivos, socioculturais, interacionais e pragmáticos. Autores como Costa Val (2006) e Platão e Fiorin (1996), apresentam a coerência como responsável pela diferença entre um texto e um aglomerado de frases. É pela coerência que as ideias são conectadas, harmonizadas, não contraditórias, propiciando a compreensão semântica global. Platão e Fiorin (1996, p. 397-400), apresentam diferentes níveis de coerência:

Coerência narrativa ocorre quando se respeitam as implicações lógicas existentes entre as partes da narrativa;
A coerência argumentativa diz respeito às relações de implicação ou de adequação que se estabelecem entre certos pressupostos ou afirmações explícitas colocadas no texto e as conclusões que se tira deles, as consequências que se fazem deles decorrer;
Coerência figurativa diz respeito à combinatória de figuras para manifestar um dado tema ou à compatibilidade de figuras entre si;
Coerência temporal é aquela que respeita as leis da sucessividade dos eventos ou apresenta uma compatibilidade entre os enunciados do texto, do ponto de vista da localização no tempo; 
Coerência espacial diz respeito à compatibilidade entre os enunciados do ponto de vista da localização espacial;
Coerência no nível de linguagem usado e a compatibilidade, do ponto de vista da variante linguística escolhida, no nível do léxico e das estruturas sintéticas utilizados no texto.

Autores como Koch (1997a), Fávero (1995) e Bentes (2003), defendem importantes critérios de textualidade, tais como:

Princípio de interpretabilidade – depende da co-participação entre produtor e receptor na situação de comunicação e da intenção comunicativa. Não há textos incoerentes em si, eles são coerentes dentro de um contexto interacional.
Situação comunicativa – interfere na produção/recepção do texto e pode ser entendida em sentido estrito (contexto imediato) e em sentido amplo (contexto sócio-político-cultural).
Conhecimento de mundo e conhecimento partilhado – conhecimento de mundo é toda memória de vida (social, histórica e individual) armazenada mentalmente e o conhecimento partilhado é a intersecção de conhecimentos comuns compartilhados por produtor e receptor na interação comunicativa.
Polifonia – (várias vozes) diz respeito ao jogo de vozes e pontos de vista presentes no texto. Muitas vezes a mudança de vozes nem sempre aparece nitidamente marcada no texto.
Inferência – relaciona-se às estratégias cognitivas que, com base no conhecimento de mundo, organizam e acionam os modelos globais de estruturas textuais.
Intertextualidade – recorre ao conhecimento de outros textos. Todo texto traz em si, em níveis variáveis, um grau de intertextualidade, seja ela explícita (quando há indicação da fonte) ou implícita (quando não há indicação da fonte).
Intencionalidade – refere-se à forma como os sujeitos usam textos a fim de perseguir e realizar suas intenções, de modo que seus textos produzam-se adequados à obtenção dos efeitos desejados.
Informatividade – é o grau de previsibilidade informacional presente no texto que também está condicionado à intencionalidade e é regulado pelo contexto situacional mais amplo. O grau de informatividade vem imediatamente da relação “dado-novo” referente às informações do texto.É importante salientar que esse critério também depende da interação emissor/receptor.

        O nível MICROESTRUTURAL se refere às relações coesivas lineares que dizem respeito ao modo como os elementos presentes na superfície textual (no eixo horizontal) estão interconectados através de recursos linguísticos, constituindo sequências veiculadoras de sentido. A coesão diz respeito à estrutura formal do texto e é construída através de mecanismos gramaticais (pronomes anafóricos, catafóricos, artigos, elipse, concordância, correlação entre os tempos verbais, conjunções, etc.), que definem as relações entre frases e sequência de frases e no interior das mesmas, e lexicais, através da reiteração, da substituição e da associação (cf. COSTA VAL, 2006, p.6). As várias possibilidades de coesão textual podem ser agrupadas em três grandes tipos (cf. FÁVERO, 1995):

1)    Coesão referêncial
Diz respeito aos elementos que têm a função de estabelecer referência. Não são interpretados pelo seu sentido próprio, mas referem-se a alguma outra coisa, relacionando o signo a um objeto. A coesão referencial é obtida por meio da substituição e reiteração de termos.
     2)    Coesão recorrencial
Esta se dá quando, apesar de retomadas estruturais, a informação progride, o discurso segue a diante. A coesão recorrencial é obtida por meio da recorrência de termo, paralelismo, paráfrase e recursos fonológicos.
     3)    Coesão sequencial
Esta tem por função (assim como a recorrencial) fazer o texto progredir, encaminhar o fluxo informacional, porém não pela retomada de itens ou estruturas, mas pela sequenciação das sentenças através de mecanismos temporais e conectivos.

COSTA VAL, M. G. Redação e textualidade. 3ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

DIJK, T. A. Some aspects of text grammars. Paris, The Hague, 1972.

_____. Cognição, discurso e interação. 3 ed. São Paulo, contexto, 2000.

FÁVERO, L. L. Coesão e Coerência Textuais. 3ed. São Paulo, Ática, 1995.

KOCH, I. V. O texto e a construção dos sentidos.  São Paulo, Contexto, 1997a.

MARCUSCHI, L. A. Lingüística textual: o que é e como se faz. Recife, UFPE, 1983.

PLATÃO, S. F. & FIORIN, J. L. Lições de Texto: leitura e redação. São Paulo, Ática, 1996.

Postado por: Gustavo Saramabdno
Revisado por: Felip Alves

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Competência da leitura e da escrita

        Concebe-se o homem a partir do trabalho e das mediações simbólicas que regem suas relações com a vida, com o mundo e com ele próprio. São dois os eixos dessas atividades: o da produção (transformação da natureza) e o da comunicação (relações intersubjetivas).
        A linguagem é constituída do ser humano. Pode-se definir linguagens como sistemas simbólicos, instrumentos de conhecimento e da construção de mundo, formas de classificação  arbitrárias e socialmente determinadas.
        Esses sistemas são, ao mesmo tempo, estruturados e estruturantes, uma vez que geram e são gerados no constante conflito entre os protagonistas sociais pela manutenção ou transformação de uma visão de mundo: o poder simbólico do fazer ver e fazer crer, do pensar, do sentir e do agir em determinado sentido.
        Em síntese, as linguagens incorporam as produções sociais que se estruturam mediadas por códigos permanentes, passíveis de representação do pensamento humano e capazes de organizar uma visão de mundo mediada pela expressão, pela comunicação e pela informação.
       A linguagem verbal, oral e escrita, representada pela língua materna, viabiliza a compreensão e o encontro dos discursos utilizados em diferentes esferas da vida social. É com a língua materna e por meio dela que as formas sociais arbitrárias de visão de mundo são incorporadas e utilizadas como instrumentos de conhecimento e de comunicação.
       As relações linguísticas, longe de ser uniformes, marcam o poder simbólico acumulado por seus protagonistas. Não há uma competência linguística abstrata, mas, sim, limitada pelas condições de produção e interpretação dos enunciados determinados pelos contextos de uso da língua. Esta utiliza um código com função ao mesmo tempo legislativa e comunicativa.
       O domínio do código não é suficiente para garantir a comunicação.
       Apresentação de fala e escrita, pode, inclusive, produzir o total silêncio daquele que se sente pouco à vontade no ato interlocutivo.
       O desenvolvimento da competência linguística do aluno, nesta perspectiva, não está pautado na exclusividade do domínio técnico de uso da língua legitimada pela norma padrão, mas, principalmente, no domínio da competência performativa: o saber usar a língua em situações subjetivas ou objetivas que exijam graus de distanciamento e de reflexão sobre contextos e estatutos de interlocutores, ou seja, a competência comunicativa vista pelo prima da referência do valor social e simbólico da atividade linguística, no âmbito dos diversos discursos concorrentes. 

Fonte: São Paulo (Estado) Secretaria da Educação
Currículo do Estado de São Paulo: Linguagens, códigos e suas tecnologias / Sectretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini; coordenação de área, Alice Vieira. - São Paulo: (2010, p. 14)

Postado e revisado por: Felip Alves