domingo, 9 de abril de 2017

Construindo sentidos no texto: organização estrutural e processamento textual

        Neste texto serão apresentadas algumas das principais categorias teóricas de análise relacionadas à organização estrutural, às estratégias de processamento e funcionamento e ao contexto interacional. Tais como processamento textual e organização estrutural.
        
        Processamento textual 
        
        O texto deve ser entendido como um processo que acontece através de sistemas de conhecimento acionados no próprio texto e no contexto de produção (KOCH, op.cit). Na produção textual, toda ação é acompanhada de processos de ordem cognitiva. Os interlocutores têm conhecimentos na memória que precisam ser ativados para que a atividade seja efetivada com sucesso, tais atividades geram expectativas e isso compõe um projeto nas atividades de compreensão e produção do texto.
Considerando o texto como um processo, HEINEMANN e VIEHWEGER (1991 apud Koch op. cit) definem três grandes sistemas de conhecimento, responsáveis pelo processamento textual:

        1)    Conhecimento linguístico

        É o conhecimento do léxico e da gramática, responsável pela escolha dos termos e pela organização do material linguístico na superfície textual.

        2)    Conhecimento enciclopédico ou de mundo

        São as informações armazenadas na memória de cada sujeito. Abrange o conhecimento manifestado por enunciações fatuais (“A Ponta do Seixas, na Paraíba, é o extremo leste do continente americano”) e o conhecimento episódico e intuitivo, adquirido por via da experiência (“Não dá pra fritar ovo sem quebrar a casca”).

        3)    Conhecimento interacional 

        Compreende a realização de certas ações por meio da linguagem. Divide-se em:

a) conhecimento ilocucional: (meios diretos e indiretos para atingir um objetivo);
b) conhecimento comunicacional: (meios adequados para atingir os objetivos desejados);
c) conhecimento metacomunicativo: (meios de prevenir e evitar distúrbios na comunicação - atenuação, paráfrases, parênteses de esclarecimento etc);
d) conhecimento superestrutural: (modelos textuais globais que permitem aos usuários reconhecer um texto como pertencente a determinado gênero ou certos esquemas cognitivos).

        Os conceitos armazenados na memória são organizados em blocos, formando uma rede de relações na qual um conceito sempre aciona uma série de entidades. À eleição, por exemplo associa-se políticos, eleitores, corrupção, CPI, leis, senado e dinheiro. Por conta desta estruturação, o conhecimento enciclopédico transforma-se em conhecimento procedimental e fornece instruções para agir em determinadas situações.

         
        Organização estrutural

        Autores como Dijk (2000), Koch (1997a), Fávero (1995) e Kleiman (2004) orientam uma organização textual a partir de três níveis estruturais, inter-relacionáveis entre si
:
Superestrutural – de nível global, com ênfase nas relações esquemático-cognitivas.
Macroestrutural – de nível semântico, com ênfase nas relações coerência textual.
Microestrutural – de nível de superfície linguística, com ênfase nas relações de coesão.

        O nível SUPERESTRUTURAL se refere tanto às estruturas textuais globais como também envolve o conhecimento sobre estratégias esquemáticas cognitivas relacionadas à significação global da base textual. São estratégias de produção e recepção de texto que acionam o conhecimento armazenado na memória através de modelos globais como frames, esquemas, planos e scripts.
        
Frames – Conjunto convencional de elementos sem organização sequencial que acionamos cognitivamente em uma situação de uso. Por exemplo, ao mencionar o frame “festa de aniversário” acionamos o conjunto “balões, brigadeiro, bolo, vela, salgados, presente, etc”.
Esquemas – Conjunto de elementos armazenados sequencialmente na memória que acionamos cognitivamente em uma situação de uso. Por exemplo, ao mencionar o esquema “um dia de trabalho” acionamos o conjunto sequencial “acordar, levantar, tomar banho, vestir-se, tomar café, sair de casa, etc”.
Planos – Modelos de comportamento manifestados para alcançar algum propósito acionados em uma situação de uso. Por exemplo, um adolescente que organiza um plano para conseguir dos pais permissão para viajar sozinho.
Scripts – São planos com rotina bem estabelecida que geralmente especificam papeis e ações dos interlocutores. Por exemplo, carta de amor, infância, novela, etc.

        O nível MACROESTRUTURAL se refere às relações de coerência textual responsáveis por construir a significação global no texto através dos processos de compreensão e produção textual. Esta construção depende da organização de fatores de diversas ordens: linguísticos, cognitivos, socioculturais, interacionais e pragmáticos. Autores como Costa Val (2006) e Platão e Fiorin (1996), apresentam a coerência como responsável pela diferença entre um texto e um aglomerado de frases. É pela coerência que as ideias são conectadas, harmonizadas, não contraditórias, propiciando a compreensão semântica global. Platão e Fiorin (1996, p. 397-400), apresentam diferentes níveis de coerência:

Coerência narrativa ocorre quando se respeitam as implicações lógicas existentes entre as partes da narrativa;
A coerência argumentativa diz respeito às relações de implicação ou de adequação que se estabelecem entre certos pressupostos ou afirmações explícitas colocadas no texto e as conclusões que se tira deles, as consequências que se fazem deles decorrer;
Coerência figurativa diz respeito à combinatória de figuras para manifestar um dado tema ou à compatibilidade de figuras entre si;
Coerência temporal é aquela que respeita as leis da sucessividade dos eventos ou apresenta uma compatibilidade entre os enunciados do texto, do ponto de vista da localização no tempo; 
Coerência espacial diz respeito à compatibilidade entre os enunciados do ponto de vista da localização espacial;
Coerência no nível de linguagem usado e a compatibilidade, do ponto de vista da variante linguística escolhida, no nível do léxico e das estruturas sintéticas utilizados no texto.

Autores como Koch (1997a), Fávero (1995) e Bentes (2003), defendem importantes critérios de textualidade, tais como:

Princípio de interpretabilidade – depende da co-participação entre produtor e receptor na situação de comunicação e da intenção comunicativa. Não há textos incoerentes em si, eles são coerentes dentro de um contexto interacional.
Situação comunicativa – interfere na produção/recepção do texto e pode ser entendida em sentido estrito (contexto imediato) e em sentido amplo (contexto sócio-político-cultural).
Conhecimento de mundo e conhecimento partilhado – conhecimento de mundo é toda memória de vida (social, histórica e individual) armazenada mentalmente e o conhecimento partilhado é a intersecção de conhecimentos comuns compartilhados por produtor e receptor na interação comunicativa.
Polifonia – (várias vozes) diz respeito ao jogo de vozes e pontos de vista presentes no texto. Muitas vezes a mudança de vozes nem sempre aparece nitidamente marcada no texto.
Inferência – relaciona-se às estratégias cognitivas que, com base no conhecimento de mundo, organizam e acionam os modelos globais de estruturas textuais.
Intertextualidade – recorre ao conhecimento de outros textos. Todo texto traz em si, em níveis variáveis, um grau de intertextualidade, seja ela explícita (quando há indicação da fonte) ou implícita (quando não há indicação da fonte).
Intencionalidade – refere-se à forma como os sujeitos usam textos a fim de perseguir e realizar suas intenções, de modo que seus textos produzam-se adequados à obtenção dos efeitos desejados.
Informatividade – é o grau de previsibilidade informacional presente no texto que também está condicionado à intencionalidade e é regulado pelo contexto situacional mais amplo. O grau de informatividade vem imediatamente da relação “dado-novo” referente às informações do texto.É importante salientar que esse critério também depende da interação emissor/receptor.

        O nível MICROESTRUTURAL se refere às relações coesivas lineares que dizem respeito ao modo como os elementos presentes na superfície textual (no eixo horizontal) estão interconectados através de recursos linguísticos, constituindo sequências veiculadoras de sentido. A coesão diz respeito à estrutura formal do texto e é construída através de mecanismos gramaticais (pronomes anafóricos, catafóricos, artigos, elipse, concordância, correlação entre os tempos verbais, conjunções, etc.), que definem as relações entre frases e sequência de frases e no interior das mesmas, e lexicais, através da reiteração, da substituição e da associação (cf. COSTA VAL, 2006, p.6). As várias possibilidades de coesão textual podem ser agrupadas em três grandes tipos (cf. FÁVERO, 1995):

1)    Coesão referêncial
Diz respeito aos elementos que têm a função de estabelecer referência. Não são interpretados pelo seu sentido próprio, mas referem-se a alguma outra coisa, relacionando o signo a um objeto. A coesão referencial é obtida por meio da substituição e reiteração de termos.
     2)    Coesão recorrencial
Esta se dá quando, apesar de retomadas estruturais, a informação progride, o discurso segue a diante. A coesão recorrencial é obtida por meio da recorrência de termo, paralelismo, paráfrase e recursos fonológicos.
     3)    Coesão sequencial
Esta tem por função (assim como a recorrencial) fazer o texto progredir, encaminhar o fluxo informacional, porém não pela retomada de itens ou estruturas, mas pela sequenciação das sentenças através de mecanismos temporais e conectivos.

COSTA VAL, M. G. Redação e textualidade. 3ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

DIJK, T. A. Some aspects of text grammars. Paris, The Hague, 1972.

_____. Cognição, discurso e interação. 3 ed. São Paulo, contexto, 2000.

FÁVERO, L. L. Coesão e Coerência Textuais. 3ed. São Paulo, Ática, 1995.

KOCH, I. V. O texto e a construção dos sentidos.  São Paulo, Contexto, 1997a.

MARCUSCHI, L. A. Lingüística textual: o que é e como se faz. Recife, UFPE, 1983.

PLATÃO, S. F. & FIORIN, J. L. Lições de Texto: leitura e redação. São Paulo, Ática, 1996.

Postado por: Gustavo Saramabdno
Revisado por: Felip Alves

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